Para a luz

Redescoberta de uma coleção de arte latino-americana, há muito escondida

Artista Olmeca desconhecido, México, Máscara (pormenor), 900-300 a.C., jadeite, cinábrio. Coleção do Instituto de Arte de Minneapolis, The John R. Van Derlip Fund, 2002.127

Por Tim Gihring

Wuando Valéria Piccoli se tornou a primeira curadora de arte latino-americana do Minneapolis Institute of Art, no final do ano passado, ela tinha poucas expectativas em relação à coleção que estava assumindo. Iniciada na década de 1940, a coleção foi se acumulando ao acaso, moldada por tendências – como o entusiasmo de meados do século pela arte pré-colombiana – e por peças herdadas por doadores. Nos últimos tempos, quase nada foi exposto. “Não tinha ideias preconcebidas do que iria encontrar”, diz. “Tem sido uma viagem de descoberta. Cada peça que vi no armazém foi uma surpresa para mim.”

Arthur Luiz Piza, brasileiro, 1928-2017, The Green Cosmos, 1969, gravura a cores, gravura e relevo. Coleção do Instituto de Arte de Minneapolis, The Ethel Morrison Van Derlip Fund, P.69.212

Desde então, Piccoli descobriu algumas jóias, muitas delas na Mia mais ou menos “por acidente”, diz ela. Ficou espantada ao encontrar, por exemplo, um conjunto de gravuras de Arthur Luiz Piza, doado ao museu no final dos anos 1960. “Ele é um dos mais importantes gravuristas brasileiros de todos os tempos”, diz ela, “mas tenho certeza de que ninguém de Minnesota saiu à procura desse trabalho”. Uma fotografia panorâmica de Machu Picchu nos anos 30 – atribuída durante anos a um artista desconhecido – é na realidade obra de Martín Chambi, um fotógrafo indígena inovador do Peru. “Foi uma verdadeira surpresa”, diz Piccoli.

Piccoli reuniu-se agora, na galeria 255, uma seleção de arte da coleção, uma espécie de introdução. “Quis apresentar isto ao público do Mia para dizer: ‘Eis o que temos nesta altura, eis algumas peças importantes que o museu já coleccionou”, diz Piccoli. “E a partir disto, vamos construir algo mais alargado e representativo da cultura latino-americana.”

O conjunto de mais de 50 peças inclui vasos de cerâmica antigos, objetos de ouro e prata e, claro, as obras de Chambi e Piza. Há gravuras, desenhos e pinturas de algumas figuras conhecidas do modernismo mexicano do século XX: Diego Rivera, José Clemente Orozco, David Alfaro Siqueiros. Há também as duas primeiras aquisições feitas por Piccoli: uma pintura de 1972 do artista afro-brasileiro Rubem Valentim, que misturou a abstração geométrica de estilo ocidental com símbolos da religião Yoruba trazidos para as Américas pelos africanos escravizados; e uma pintura de 1957 de Elsa Gramcko, que integrou formas orgânicas no modo abstrato predominante da época. “Ela propunha outro tipo de linguagem para a abstração, o que se tornou uma viagem para uma carreira muito singular”, afirma Piccoli.

Myrlande Constant, haitiana, nascida em 1968, Bal Kontredans (Dança campestre de baile), 2021, missangas, tecido, lantejoulas e enfeites. Coleção do Instituto de Arte de Minneapolis, doação de fundos de Mary e Bob Mersky, 2022.23.2

Para o futuro, espera continuar a colecionar trabalhos abstractos dos anos 50 e 60, que não estão bem representados no Mia, e trazer alguma arte da era colonial, que está praticamente ausente. Ambas as áreas de coleção continuam relativamente acessíveis a instituições públicas como o Mia, enquanto outras (modernismo, contemporâneo) são cada vez mais difíceis. Também ajudariam Piccoli a tecer um fio narrativo através da coleção, que atualmente tem “um pouco de tudo, mas nenhuma história”, como diz.

Durante grande parte do ano passado, Piccoli esteve envolvida na exposição “ReVisión: Arte nas Américas”. que decorreu durante este verão no Mia e que apresentou em grande parte a coleção de arte latino-americana do Museu de Arte de Denver. A premissa da exposição era apagar as barreiras – históricas e filosóficas da arte – entre o período anterior ao contacto europeu e o período que se lhe seguiu. Se grande parte da compreensão atual da América do Sul e da América Central se baseia nesta bifurcação, especialmente nos Estados Unidos, a exposição ofereceu um corretivo, revelando os muitos fios ininterruptos, ainda que tortuosos, que ligam as culturas antigas e contemporâneas da região. É a mesma abordagem que Piccoli diz ter adotado no seu anterior cargo de curadora-chefe da Pinacoteca do Estado de São Paulo, no Brasil, reorganizando a sua coleção “com base num diálogo entre o passado e o presente”. É o que espera fazer também no Mia.

É o que espera fazer também no Mia. “Isto é realmente fundamental para todo o trabalho museológico”, diz ela, “criar situações em que a história possa ressoar no contemporâneo. Caso contrário, a história parece algo completamente desligado da sua vida. Esta é uma forma de olhar para a história com uma nova perspetiva”.